sábado, 17 de abril de 2010

O duplo chamado do Espírito - N. Vicent (1639-1697)

Postado por Simone da Fonseca Arantes às 19:48 0 comentários
1. O mais comum é: muitos são chamados, só que nunca são totalmente convertidos. Foi a operação comum do Espírito que fez Feliz tremer, o qual trouxe Agripa a um passo de se tornar cristão e fez com que Herodes realizasse muitas coisas. Multidões de não regene rados têm sentido as águas agitarem-se, o Espírito Santo movendo-os à conversão, e têm prontamente aceitado Sua ajuda e assistência, e talvez, por um tempo, tenham sido guiados por Ele. Todavia, posteriormente têm se recusado a deixar a sensualidade ou a vaidade, as quais Ele exigiu que abandonassem. Eles não transformaram a sua preguiça espiritual em séria diligência pelo interesse de suas almas imortais, e assim desprezando Sua operação, desconsiderando Sua ajuda, eles fazem com que o Espírito Se afaste entristecido, Ele que veio com amor agir em suas vidas.

2. Há um chamado do Espírito que é mais especial e eficaz, e quando Ele os move a voltar-se para Deus, os pecadores são persuadidos, não parcialmente, mas completamente. Agora observemos o método do Espírito ao operar naqueles que são realmente convertidos.

A. Aqueles os quais o Espírito chama efetivamente, Ele os convence do pecado (João 16:8). Ele lhes apresenta a lei, e Ele mesmo é o intérprete dessa lei. E pela Sua interpretação são levados a ver que a lei proíbe não somente a manifestação do pecado nos lábios e na vida, e sim também a concupiscência interior e a manifestação do pecado no coração. E quando vem a lei, oh, quão abundante é a ofensa! O Espírito mostra suas iniquidades em ordem diante de seus olhos e os mantém abertos para enxergá-las. O livro da consciência é aberto, e quantas transgressões estão ali registradas? E se, ao mergulharmos neste livro, muitas abominações aparecem, quão inumerável é a multidão que está no livro memorial de Deus? Embora os pecadores não considerem o fato, Deus ainda Se lembra de todas as corrupções deles (Os. 7:2). O justo, porém, se conscientiza disso. "Males sem número me tem rodeado", diz Davi, "minhas iniquidades me prenderam" (Sal. 40:12). Quando ele se deita elas se deitam. Quando ele se levanta elas se levantam com ele. Onde quer que vá ou o que quer que faça elas continuamente o perseguem e o assediam.

Quão hediondo e horrendo o pecado parecerá ao pecador quando todas as justificativas e desculpas forem silenciadas, quando a lente colorida for retirada e este for visto por ele em sua aparência natural! Bebedice, impureza, blasfêmias, gestos profanos e cobiça pelo mundo não mais serão vistos como sem importância. Esse modo de viver antes parecia não ter nada de perigoso nele, pelo contrário era cheio de delícias e prazeres. Contudo, após a convicção, sua decepcionante e condenável natureza será tão evidente como a luz do sol ao meio dia.

E ainda que o pecador não tenha sido contaminado com as mais pesadas contaminações do mundo, ainda assim será necessário mostrar-lhe suficientemente a natureza do pecado, a fim de levá-lo a concluir que é um miserável e está perdido. Ora, ora! Todas as suas omissões ou suas chacotas contra o Deus zeloso, cometidas de maneira insensível, seriam consideradas como nada? Acaso seria nada seu desperdício de tempo e sua desconsideração para com a eternidade? O deleitar-se nas coisas criadas, nas vaidades e prazeres do mundo, e o amar a estes mais do que a Deus, a Cristo e a glória, seria um assunto de menor importância? Tais pecados são hediondos e são imputados até mesmo às pessoas mais civilizadas.

Esta convicção do Espírito é forte e permanente. Ela resiste até que o pecador seja reconduzido completamente de volta. As transgressões presentes com seus agravantes são pesadas, e o pecado original é a fonte da qual outras fontes são originadas. E nessa fonte, há o suficiente para alimentar mais dez mil outras nascentes além das que já nasceram. Davi não somente foi convencido do assassinato e do adultério que cometera, mas teve que traçar estes pecados até a fonte deles, a corrupção original de sua natureza (Sal. 51:5). Imagine o quanto a visão desta realidade o inclinou em direção à sua auto-humilhação?
Finalmente, esta convicção não trata somente de alguns atos pecaminosos, porém da nocividade do estado do pecador. Ele é levado a examinar-se, visto que é um filho da desobediência, como também um filho da ira. Tudo será reconhecido e confessado, sem contestação. Isso é o que evidencia a convicção do Espírito.

B. Aqueles aos quais o Espírito chama efetivamente, Ele produz temor neles. O espírito de temor vem antes do espírito de adoção. Realmente, há vários, graus desses temores e terrores, no entanto o Senhor opera esses sentimentos em todos aqueles acerca dos quais Ele tem desígnios de amor, a fim de torná-los insatisfeitos em seu estado natural. A segurança carnal é uma das primeiras coisas que é atacada pelo Espírito. Ele ordena a alma que desperte e a faz saber que permanecer dormindo no pecado é muito mais arriscado do que se dormisse no topo de um mastro.

O pecador tem toda razão para ficar amedrontado. Ele tem atraído ira contra si, a qual vem carregada com um onipotente e irresistível poder contra si mesmo. "Quem pode suportar a Sua indignação ? Quem subsistirá diante do furor de Sua ira?" (Naum 1:2). As maldições da lei têm um som apavorante aos ouvidos do pecador e, devido ser ameaçado de maldição, não ficará adormecido por muito tempo. A proximidade de tão grande mal aumenta excessivamente o medo. Sua aquiescência é profunda e em sua mente agora ele antevê: "...e em chama de fogo tomando vingança contra os que não conhecem a Deus e contra os que não obedecem ao evangelho de nosso Senhor Jesus. Estes sofrerão penalidade de eterna destruição... "(II Tess. 1:8-9). E, que miséria, ele pensa consigo mesmo, quão terrível será fazer parte do número daqueles que pedirão às rochas e montanhas para que caiam sobre eles, para que possam se esconder da face dAquele que está assentado no trono e da ira do Cordeiro! Isto faz com que ele pare repentinamente no seu mau caminho. Ele não se atreve a continuar correndo em direção ao pecado, assim como o cavalo corre em direção à batalha.

C. Aqueles que o Espírito chama efetivamente, Ele desperta pesar e tristeza neles por causa de seu pecado e miséria. Eles vêem o que têm feito contra Deus e contra si mesmos, e isso faz com que seus espíritos fiquem perturbados. Isso é o que é estar cansado e sobrecarregado (como dizem as Escrituras), estes são os que Cristo chama para vir a Ele, para que possam encontrar descanso para suas almas. (Mat. 11:28-29). Havia uma voz vinda dos lugares altos, voz de choro e súplica dos filhos de Israel, porque eles perverteram seus caminhos e esqueceram-se do Senhor seu Deus, e isso aconteceu antes de aceitarem o Seu convite para retornar a Ele. (João. 3:20-21).

O pecador, pelo Espírito, é levado a contemplar a gravidade do seu caso, o mal do seu pecado, e ver quão miseravelmente ele tem sido enganado pela sua concupiscência e por satanás, como também sua loucura em se render a eles. Vejam como ele agora acusa e condena a si próprio! "Quando o coração se me amargou e as entranhas se me comoveram, eu estava embrutecido e ignorante, era como um irracional à tua presença" (Sal. 73:21-22). Ele desejaria milhões de vezes que as tentações tivessem sido recusadas e que o pecado nunca tivesse sido cometido.

Quero apresentar o lamento do coração do pecador nesta proposição: "Oh, como sou miserável, o que tenho feito eu durante todos os meus dias! Seria esse o fim para o qual fui criado, destruir a mim mesmo? Não havia algo melhor a fazer do que adicionar pecado a pecado, e então entesourar ira para o dia da ira? Quanto tempo tenho desperdiçado, e como tenho me esforçado para tornar-me um miserável! Ah, tolo, miserável auto-destruidor! Não percebe o quanto tem provocado a ira do Senhor? Oh, que meus olhos sejam fontes de lágrimas e que eu possa chorar dia e noite! Os condenados irão chorar e lamentar par sempre, e eu não deveria lamentar e chorar - eu que mereço tanto ser condenado? Tenho toda razão para estar perturbado e humilhado grandemente, e para prantear durante o dia todo".

Assim o pecador se aflige e lamenta-se, pois a companhia dos amigos, os prazeres sensuais e as diversões mundanas não podem mandar embora suas tristezas. Ninguém, senão Aquele que faz as feridas no coração, é capaz de curá-las novamente.

D. Aqueles que o Espírito chama efetivamente, Ele faz com que se desesperem de si mesmos. Eles são levados a compreender que não há poder neles mesmos, a não ser fora dos caminhos do pecado e da miséria nos quais estão mergulhados. E como são incapazes de se ajudarem, então eles compreendem que são totalmente indignos de serem ajudados. Deus pode justamente permitir que permaneçam onde caíram e, não fosse a Sua intervenção, cairiam cada vez mais até não poderem mais ser recuperados. O pecador pode valer-se de suas boas obras, esperando com isso reconciliar-se com Deus por causa daquilo que ele tem feito de errado, entretanto é levado a ver que suas melhores obras estão tão misturadas com o pecado que, não fosse a justiça e a intercessão de Cristo, estas seriam verdadeiras abomina ções. Agora ele está abatido no seu interior. Ele não tem confiança na carne (Fil. 3:3). Ele não pode fazer nada por si mesmo. Não pode alegar que tenha direitos a ter algo feito em seu favor, mas ele deve esperar a graça de Deus para tudo.

Baseado nisso, ele clama pelos caminhos do Senhor (Sal. 130:1). Ele percebe que está afundando e clama: "Das profundezas a ti clamo, ó Senhor. Senhor salva-me ou perecerei. Estou à beira do inferno e cairei, a menos que a mão da misericórdia me segure." Ele implora com Efraim: "Salva-me, e serei salvo. " E como o mal do pecado se torna manifesto à sua vista, assim a bondade de Deus é, em alguma medida, revelada pelo Espírito. E, portanto, ele decide se tornar um convertido, não somente pela necessidade, porque dessa maneira ele seria extrema e eternamente miserável, mas também por escolha, porque esse é o caminho para a verdadeira felicidade. E este desejo de ser convertido é como se fosse o primeiro sopro da operação do Espírito em todos aqueles que Ele chama efetivamente para voltarem-se para Deus, como também são as muitas outras maneiras como o Senhor chama os pecadores à conversão, muitas das quais tornaram-se sem efeito, porque aqueles que foram chamados são surdos, desobedientes e rebeldes.

Como os homens devem portar-se na casa de Deus (1Tm 3.15).

Postado por Simone da Fonseca Arantes às 19:46 0 comentários
Nessas palavras, ele enaltece a importância e a dignidade do ofício pastoral, pois os pastores são como que despenseiros a quem Deus tem confiado a incumbência de governar sua casa. Se um homem é responsável por uma grande família, então deve ele trabalhar dia e noite com grande solicitude para que nada saia errado em função de algum descuido, inexperiência ou negligência. Se tal cuidado é indispensável em relação a meros seres humanos, quanto mais em relação ao Criador deles. Má boas razões para Deus chamar a Igreja de minha Casa, pois ele não só nos tem recebido como seus filhos mediante a graça da adoção, mas também, ele mesmo, habita pessoalmente entre nós.

Ao ser denominada, coluna e fundamento da verdade, tal dignidade atribuída à Igreja não é algo ordinário. Ora, que termos mais sublimes poderia ele ter usado para descrevê-la? Porquanto não existe nada mais venerável e santo do que aquela verdade que abrange tanto a glória de Deus quanto a salvação do homem. Fossem todos os louvores que os admiradores esbanjam em referência à filosofia paga reunidos num montão, o que seria isso comparado com a excelência dessa sabedoria celestial, a única que leva o título de a luz e a verdade e a instrução para a vida e o caminho e o reino de Deus? Esta verdade, porém, só é preservada no mundo através do ministério da Igreja. Daí, que peso de responsabilidade repousa sobre os pastores, a quem se tem confiado o encargo de um tesouro tão inestimável! Quão cínicas são as bagatelas dos papistas extraídas das palavras de Paulo, de que todos os seus absurdos devam ser considerados oráculos de Deus, visto que são colunas da verdade e, portanto, infalíveis!

Em primeiro lugar, porém, temos de examinar por que Paulo honra a Igreja com um título tão proeminente. Evidentemente, ele desejava, ao realçar aos pastores a grandeza de seu ofício, lembrá-los com que fidelidade, diligência e reverência devem desempenhá-lo, e ao mesmo tempo quão terrível é a retribuição que os aguarda, caso, por sua culpa, esta verdade, que é a imagem da glória de Deus, a luz do mundo e a salvação dos homens, seja prejudicada. Certamente, esse pensamento deve imbuir os pastores da terribilidade de sua tarefa; não para desencorajá-los, mas para compeli-los a uma vigilância mais intensa. Daqui se torna fácil deduzir o sentido que tinham as palavras de Paulo. A Igreja é a coluna da verdade porque, através de seu ministério, a verdade é preservada e difundida. Deus mesmo não desce do céu para nós, nem diariamente nos envia mensageiros angelicais para que publiquem sua verdade, senão que usa as atividades dos pastores, a quem destinou para esse propósito. Ou, expondo-o de maneira mais simples: não é a Igreja a mãe de todos os crentes, visto que ela os conduz ao novo nascimento pela Palavra de Deus, educa e nutre toda a sua vida, os fortalece e finalmente os guia à plenitude de sua perfeição? A Igreja é chamada coluna da verdade pela mesma razão, pois o ofício de ministrar a doutrina que Deus pôs em suas mãos é o único meio para a preservação da verdade, a qual não pode desaparecer da memória dos homens. Em conseqüência, essa recomendação se aplica ao ministério da Palavra, pois se ela for removida, a verdade de Deus desvanecerá. Não é que ela seja menos infalível se os homens não lhe prestam seu apoio, como alguns papistas ociosamente alegam. E chocante blasfêmia afirmar que a Palavra de Deus é falível até que obtenha da parte dos homens uma certeza emprestada. O "sentido que Paulo dá é o mesmo de Romanos 10.17: "E assim, a fé vem pelo ouvir, e o ouvir, pela palavra de Deus." Sem ouvir a pregação não pode haver fé. Portanto, em relação aos homens, a Igreja mantém a verdade porque, por meio da pregação, a Igreja a proclama, a conserva pura e íntegra, a transmite à posteridade. Se não houver ensino público do evangelho, se não houver ministros piedosos que, por sua pregação, resgatem a verdade das trevas e do olvido, as falsidades, os erros, as imposturas, as superstições e a corrupção de toda sorte assumirão imediatamente o controle. Em suma, o silêncio da Igreja significa o afastamento e a supressão da verdade. Não há nada absolutamente forçado nesta exposição da passagem.

Agora que descobrimos a intenção de Paulo, volvamo-nos para os papistas. Seu primeiro erro é o de transferir este enaltecimento da Igreja para si próprios, porquanto eles se cobrem com plumas emprestadas. Presumamos que a Igreja fosse exaltada acima do terceiro céu, tal coisa não tem nada a ver com eles. Pois se a Igreja é a coluna da verdade, segue-se que ela não está entre eles, onde a verdade não só se encontra sepultada, mas também horrivelmente destruída e pisoteada sob seus pés. Paulo não reconhece a existência da Igreja exceto onde a verdade de Deus é exaltada e esclarecida. No papado não há qualquer evidência de tal procedimento, senão unicamente desolação e ruína. Não se encontra entre eles a genuína marca da Igreja. A fonte de sua ilusão consiste em que não ponderam que o essencial é que a verdade de Deus seja mantida pela pura proclamação do evangelho, e que seu apoio não depende das faculdades e emoções humanas, e, sim, em algo muito mais exaltado, o qual não deve dissociar-se da Palavra de Deus em sua pureza.

João Calvino

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Espiritualidade

Postado por Simone da Fonseca Arantes às 00:17 0 comentários



No comecinho de 1990, fui convidado para participar da organização da Aliança Evangélica Brasileira (AEVB). Reunimo-nos em Teresópolis para esboçar os primeiros momentos, mas não lembro nada do planejamento. Ficaram apenas as devocionais lideradas pelo Osmar Ludovico, que me marcaram de forma indelével. O Osmar falou sobre oração contemplativa, "Lectio Divina", meditação. Porém eu vinha de uma tradição pentecostal e nada sabia sobre esses e outros exercícios espirituais. No segundo dia, houve um quebrantamento e eu me derreti em lágrimas. O Espírito de Deus nos moveu de uma forma única.

A prática de orar em silêncio, de aquietar a alma para meditar na Palavra e de escrever ressonâncias depois que alguém compartilha percepções espirituais, me deixou boquiaberto. Eu acreditava em preces barulhentas. Achava que Deus gostava de decibéis exagerados. Aliás, preciso confessar, eu mesmo já insuflei auditórios com a clara intenção de produzir frenesi para "mostrar" categoricamente que Deus "operava em nosso meio". Mas o Osmar Ludovico me conduzia por um novo e fascinante portal. Ao seu lado, eu subia escadas que tocavam o céu. Osmar tem uma voz suave, que, ao pronunciar o nome de Deus, ainda me comove. Ali começou um novo ciclo em minha devocional.

Passei a desejar uma espiritualidade de afetos. Abandonei o esforço de fazer de minhas orações uma técnica de colocar Deus em movimento. Destruí o altar que eu erguera para acionar o divino. Reaprendi que orar é inspirar ausências. Sem muitos barulhos, colocar a alma numa quietude parecida com a que o sumo sacerdote experimentava ao entrar no Santo dos Santos. Noto que os cultos, as missas, se tornaram agitados. Pergunto-me se o ritmo alucinante das músicas e das danças não são fugas. Na agitação, evita-se o confronto com a interioridade e, consequentemente, com Deus. Agora, só agora, começo a intuir o significado de orar no quarto fechado, em secreto.

Uma oração que não inclua o mundo inteiro apequena Deus e mostra o grau de individualismo de quem ora. Não consigo mais entender Deus como um deus tribal que faz chover e não deixa que gafanhotos destruam plantações. O mundo geme e entendo que as preces precisam ser situadas em relação a todos, inclusive africanos exilados, haitianos sem teto, europeus desiludidos com o materialismo e brasileiros inundados em periferias urbanas. Deus não dispensa suas bênçãos prioritariamente sobre os quem têm olhos azuis. Ele não começa seus castigos pelos mais miseráveis; não abandona milhões à míngua para vitalizar ajuntamentos que enriquecem evangelistas ávidos por fama e riqueza.

Desde aquela iniciação com o Osmar Ludovico, reaprendi a ler a Bíblia sem o exclusivismo das ferramentas frias da exegese. Por anos fui um gramático, pavimentei a estrada da minha fé com argumentações, mas comecei a ler as Escrituras com o coração. As novas lentes de leitura eram o amor e a paternidade de Deus. Desisti da pretensão de chegar à verdade dissecando textos. Eu queria perceber o recado de Deus nas entrelinhas, sem as vendas espirituais que me impedem de me sentir abraçado por ele. Sei da importância de não desvirtuar o sentido do texto com interpretações fantasiosas. Mas sei também que não é com análises sintáticas que a linda poesia do Espírito chegará ao meu coração. Se a letra mata e o Espírito vivifica, quero perceber o imperceptível; quero o que os olhos naturais não captam.

Desejo vivenciar a minha espiritualidade em atos devocionais. Pretendo transformar-me em um adorador que faz do “seguimento” de Jesus a melhor expressão de sua piedade. Liturgias centradas em emocionalismos desmerecem a tradição profética dos dois Testamentos. O melhor culto é defender a justiça. Deus não gosta de ajuntamentos com liturgias autocentradas, que só buscam canalizar o seu favor. O verdadeiro culto disponibiliza pessoas para cuidar de órfãos e de viúvas -- esta é a verdadeira religião, segundo Tiago. Qualquer verticalização do louvor só tem sentido se promover a verticalização do serviço. Espiritualidade é reconhecer Deus no rosto do pobre, do nu, do faminto e do desterrado; tudo o mais é individualismo travestido de piedade.

Anseio por reuniões que celebrem a graça, sem paranoias espirituais, sem alguém tentando infundir culpa para descansar no inescrutável amor de Deus. Quero participar de comunidades leves, sem as afetações próprias do glamour do mundo, onde os sorrisos sejam gratos e os abraços, sinceros. O caminhar de Jesus não combina com lugares espetaculosos. Viver os valores do seu reino prescinde de holofotes.

Muito obrigado, Osmar. Naquela tarde edifiquei um memorial; altar que me lembra o desafio de vivenciar o vasto amor do Pai.
Soli Deo Gloria.


• Ricardo Gondim é pastor da Assembleia de Deus Betesda no Brasil e mora em São Paulo. É autor de, entre outros, Eu Creio, mas Tenho Dúvidas.

 

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