Vivemos em um país onde a democracia é o regime pelo qual elegemos nossos representantes nos governos, pois, democracia é, utilizando uma frase famosa que ouvimos, “governo do povo, pelo povo e para o povo”. A mais importante distinção é entre a democracia direta - onde o povo expressa sua vontade através do voto direto em cada assunto em particular, e a democracia representativa – onde o povo expressa sua vontade através da eleição de representantes que tomam decisões em nome daqueles que o elegeram.
É preciso entender um pouco sobre isso para compreendermos a importância da conscientização política que devemos ter. Porém, em épocas eleitorais, muitas coisas acontecem, tanto nas campanhas como com os eleitores.
Nas campanhas eleitorais, muitos candidatos preferem, ao invés de apresentarem as suas propostas, fazerem acusações com a finalidade de denegrir a imagem do concorrente e lhe tirar o maior número possível de votos, trazendo fatos acerca da vida pública e, em alguns casos, da vida privada, procurando assim, manchar a imagem e o caráter de seu concorrente. Por outro lado temos os eleitores. Em uma das últimas campanhas presidenciáveis nos Estados Unidos, um programa de televisão abordou a questão do caráter do candidato com seus entrevistados e, para surpresa geral, a maioria deles respondeu que não se importavam com o caráter do candidato e sim com o seu programa de governo. Mas isso não ocorre apenas fora do nosso país, pois esta mesma idéia se revela em muitas pessoas com quem converso. Pergunto-me: como as pessoas podem dizer que o caráter não é importante se tudo o que fazemos brota do nosso caráter?
Muitos preferem ser governados por pecadores competentes a sê-lo por santos incompetentes. A questão governamental envolve muito mais do que apenas a “arte de governar”, É muito mais ampla e profunda, pois envolve toda a vida de uma pessoa, todas as suas escolhas e formas de conduta. Não desejo me ater a questões políticas, mas, quero analisar o exemplo de Jean Jacques Rousseau, famoso filósofo francês do século 18. Em seu livro The Social Contract, Rousseau apresenta suas idéias políticas, dentre elas, a de que o Estado deveria se responsabilizar integralmente pela educação das crianças e doutriná-las de forma tal que ficassem a seu inteiro serviço. À época da Revolução Francesa, Karl Marx e Lênin também tinham a mesma idéia e ela passou a fazer parte do Comunismo.
Para entender Rousseau, basta olhar sua vida. Era um boêmio, boa-vida, cheio de casos, sem compromisso. Viveu grande parte de sua vida ao lado de uma mulher, uma lavadeira, tão dissoluta como ele. Em determinado momento de suas vidas, ela engravidou e teve um filho, colocando Rousseau em uma posição complicada: assumir o filho e ir contra os seus ideais ou deixá-lo para o Estado. E a decisão foi a de deixá-lo para o Estado, em um orfanato, e fez isso com todos os filhos que teve, pois, segundo ele, o Estado teria melhores condições de criá-los e educá-los. O Estado seria o melhor pai para seus filhos.
E esta foi a base de toda a sua teoria: o Estado é o pai de todos, pois ele deve ser o responsável por formar a nossa mente.
Fica uma pergunta: o que será que Rousseau diria se visse que suas idéias foram bem expressas no século 20 através dos campos de concentração, dos genocídios em massa, do rompimento de países?
A psicologia define caráter como “o termo que designa o aspecto da personalidade responsável pela forma habitual e constante de agir peculiar a cada indivíduo; esta qualidade é inerente somente a uma pessoa, pois é o conjunto dos traços particulares, o modo de ser desta; sua índole, sua natureza e temperamento. O conjunto das qualidades, boas ou más, de um indivíduo lhe determina a conduta e a concepção moral; seu gênio, humor, temperamento, este, sendo resultado de progressiva adaptação constitucional do sujeito às condições ambientais, familiares, pedagógicas e sociais” (enciclopédia Wikipédia).
Segundo o teólogo e escritor Oswald Chambers, “caráter é o que prevalece de modo geral, não algo que se manifesta ocasionalmente” (Dietz, Frank. A Pessoa Que Deus Usa, 2000, Descoberta Editora, Curitiba). Sendo assim, podemos dizer que tudo vem do caráter, e Deus procura homens e mulheres de caráter. Não nascemos com caráter, pelo contrário, nós o fazemos. O caráter é algo completo, complexo, e não podemos julgar uma pessoa por atitudes isoladas, temos que avaliar todo o contexto de sua vida. Mesmo nascendo de novo, aceitando a Jesus, nosso caráter permanece, não é trocado por um novo, o que ele pode ser é trabalhado e moldado por Deus, através da atuação direta do Espírito Santo, para se ajustar ao caráter de Cristo, isso, se a pessoa estiver disposta a pagar o preço.
Em I João 2:12-14 temos um bom exemplo sobre caráter. São apresentados a nós três tipos de pessoas: crianças, jovens e pais. Ao analisarmos estas pessoas, vemos que elas se distinguem não apenas em idade, mas em maturidade. As crianças estão satisfeitas e felizes com suas posses e isto é facilmente notado quando estão brincando. Por mais brinquedos que tenham, elas querem sempre os mesmos e chegam, inclusive, a brigar entre si para ficar com determinado brinquedo. Tudo isso reflete o comportamento possessivo delas, típico de sua faixa etária. Os jovens, por sua vez, se satisfazem com suas realizações. São cheios de sonhos e tem uma grande gana de conquistarem, serem bem sucedidos na vida, sobretudo materialmente. Porém, os pais se satisfazem com sua experiência, maturidade, vivência. Eles se alegram e se regozijam com aquilo que são, ou, podemos colocar de uma outra maneira, com o seu caráter.
É preciso compreender em qual nível estamos, com qual tipo de pessoa nos assemelhamos. Importante é não esquecer que o caráter se faz ao longo dos anos. Portanto, se você ainda é uma criança ou um jovem, saiba como deixar Deus trabalhar para que você alcance a plena maturidade, sabendo que o caráter deve ser lapidado até encontrar a sua melhor forma: a forma de Cristo. É isto que o apóstolo Paulo diz para Timóteo procurar nos obreiros das Igrejas. Em I Tm. 3:2, ele inicia dizendo que esse homem “deve ser” e, no decorrer do texto, relata quais as características necessárias a ele. Mas, afinal, o que Paulo quer dizer com “deve ser?” Ele está falando de caráter. Um dos grandes problemas que enfrentamos em nossas Igrejas hoje em dia é a falta de material humano qualificado para o serviço do Senhor, pois temos muitos membros, obreiros, líderes, pastores que obtém todas as características materiais para desenvolver um grande trabalho, mas lhes falta o caráter interior para isso. Se quisermos verdadeiramente ser bons servos, devemos ter muito mais do que títulos, diplomas, emblemas, cursos, graus, o que precisamos, acima de tudo, é sermos pessoas de caráter.
Um outro texto que exemplifica bem isto se encontra em I Samuel 16:7. O rei Saul havia sido rejeitado por Deus por sua desobediência, dentre outras falhas graves que ele cometera em seu reinado, conseqüências de seu mau caráter que o levaram a agir erroneamente. Deus manda que o profeta Samuel fosse até a casa de Jessé para ungir o novo rei de Israel. Porém, Samuel estava cometendo um grave erro, estava olhando para o exterior, não para o interior, por isso Deus o adverte a olhar como Ele olha. Davi não estava sob os refletores, não estava cotado, só foi apresentado a Samuel depois que este pergunta a seu pai se ele não tinha mais filhos. Davi estava no campo, sozinho com Deus, passando por um delicado e difícil processo de formação de caráter. Talvez Davi não fosse o mais bonito, o mais forte, o mais inteligente, contudo, ele era um jovem que possuía um coração com caráter, tanto que ficou conhecido como o “homem segundo o coração de Deus”.
Frank Dietz, em seu livro “A Pessoa Que Deus Usa”, diz: “caráter não se cria em um tubo de ensaio, não se aprende em sala de aula, não se adquire lendo um livro sobre o assunto. O caráter é desenvolvido nas dificuldades e nas pressões da vida”. Deus usa as dificuldades para trabalhar em nossas vidas e nos levar para mais perto Dele. Usa essas circunstâncias difíceis para moldar nosso caráter a semelhança do caráter de Jesus. Segundo Billy Grahan: “A vida, na melhor das hipóteses, é cheia de problemas.” Se estamos cheios do Espírito Santo e vivemos cada dia no Espírito, ele nos guiará por esses períodos atribulados e fará em nós o trabalho que Ele quer. Entretanto, temos que entender o que Deus está fazendo em nossa vida. Paulo escreve em Romanos 5:3: “Alegramo-nos nos sofrimentos.” Por quê? Porque, diz ele, “sabemos” o que eles produzirão. A pressão do dia-a-dia produz paciência e perseverança, a perseverança produz caráter e este, esperança, e é dessa maneira que Deus forma em nós o caráter que Ele quer.
Após a queda, o homem começou a ter problemas em seu caráter que, até então, era perfeito. Mas, com o novo nascimento, temos a oportunidade de voltar a ter o caráter que Deus quer que tenhamos. Analisemos brevemente o que envolve esta oportunidade: a) Um ideal divino (Ef. 4:13-14), Cristo, e essa é a proposta, viver em um mundo hostil e decaído sem perdermos a nossa integridade; b) A realidade humana, o padrão do mundo em que vivemos, um sistema dominado pelo diabo, totalmente corrompido e hostil ao ideal divino; c) A proposta do novo nascimento é transferirmos o ideal divino para a realidade, sem nos corrompermos com ela. A busca pelo caráter passa pela Santificação. O segredo do crescimento está na vida crucificada dos cristãos.
Muitas vezes cometemos um grande erro: o de querer falar como as coisas devem ser e agir de forma diferente, no popular “faça o que eu digo, mas não o que eu faço”. As pessoas não querem ouvir, elas querem ver, e isto aconteceu com Jesus. Deus não ficou lá dos céus gritando o que teríamos de fazer ou não para obtermos a salvação. Antes, Ele enviou seu Filho para que nós pudéssemos ver. Jesus quando ressuscitou, não mandou espalhar que Ele estava vivo, Ele apareceu para os seus discípulos, se deixou ver, conviveu alguns dias com eles. Francisco de Assis disse uma frase muito linda e verdadeira: “pregue o Evangelho, e, se preciso for, use palavras”. A sua vida revela muito mais do que você pode falar.
Certa vez, Mahatma Gandhi, o grande líder hindu, encontrou-se com um missionário e contou-lhe que era um grande admirador dos ensinamentos de Jesus, e foi além, disse que se ele encontrasse com um cristão que vivesse como Cristo viveu, ele tornar-se-ia um cristão. Até onde sabemos, Gandhi morreu hindu.
Era isso que Jesus ensinava aos seus discípulos. Se olharmos para o sermão do monte, nos capítulo 5 a 7 de Mateus, veremos como fica bem evidenciado. As bem-aventuranças são formas de conduta, de caráter, de postura que o cristão deve ter, e Ele estava ensinando isso aos seus discípulos. Mas, havia uma multidão atenta a tudo que o Mestre dizia, trazendo uma responsabilidade a mais para os seus seguidores. Embora o ensino fosse inicialmente para os discípulos, as pessoas do mundo estavam ouvindo, estavam atentas, e estariam olhando para ver se os discípulos agiriam de acordo com o que Jesus ensinara. E este é um ponto importante.
Estamos no mundo para guiá-los, levá-los das trevas para a luz, darmos o exemplo de como viver uma vida irrepreensível, porém, temos nos tornado uma voz que ninguém mais dá atenção. As pessoas não querem mais ouvir, elas querem ver, e o caráter se expressa na conduta e não nas palavras.
Quando o mundo olha para a Igreja de Cristo, o que ele tem visto? Quando as pessoas olham para nós, o que elas têm visto?
Que Deus nos abençoe e nos derrame sua graça para sermos verdadeiros homens de caráter. Não apenas bons, mas que tenhamos o caráter de Cristo estampado em nossas vidas, a ponto de dizermos como o apóstolo Paulo disse em sua primeira carta aos Coríntios: “Sede meus imitadores, como também eu sou de Cristo”. Amém.
Presbítero Eduardo Molina