domingo, 12 de outubro de 2008

O POEMA DO ANDARILHO

Postado por Simone da Fonseca Arantes às 23:53
I

Menor que meu sonho não posso ser
Mil identidades secretas.
Mil sobras, sombras, mil dias.
Todas palavras e tudo.
Barco de ambigüidade, sôfregas palavras.
De todas contradições, desencontros, dos contrários de mim, andarilho da flecha de várias pontas, direções.
Dos outros seres que também andarilham.
Pois menor que meu sonhonão posso ser

Andarilho de ervas sutis crescidas de noites luzes becos latinos frêmitos Andes ilhas.
Andarilho de santos falidos, feridos de vaidade.
Dos frutos da segurança vã,vã beleza de repente solidão.
Feitiços, laços, encantamentos.
Prodígios, Tordesilhas, ressentimentos.
Andarilho de perder pele, asa e uso, mariposa da lua difusa do amanhecer.
Andarilho de paisagens precárias do sentimento guardado a sete chaves,
não fotografável, nem desvendável em câmaras escuras, secretas torturas,
ou à luz de teus olhos surpresos, presosnos meus olhos, ilhas.
Pois menor que meu sonhonão posso ser

II

Empoleirado em minha gaiola de ineficiência, andarilho.
Longe de grandes e confortáveis salas da subserviência, andarilho.
Transitivo, substantivo, adjetivo.
Solto na correnteza do medo, da instabilidadede tudo, na multidão de afetos.
Eu, claro enigma: sete palmos de terra, sagrado sopro de todo o sentimento.
Eu, quebrado espelho d’água de Narcisoe fogo de Orfeu entre a paixão e o definitivo tempo.
Eu estranho a maioria das vezes na própria terra do poema onde me sedimento,
acidento, me desencaminho, me aninho, me enovelo em trama de pouco, em menos,
em quase nada e mesmo assim andarilho.
Pois menor que meu sonho não posso ser

V

Passa o tempo.
Como passa, passou o tempo.
Oh! frase feita, inútil consolo e alívio.
Passo este tempo que me passa.
Passo pontos de interrogação, helespontos, helespantos.
Passo a ponte, o poente.
Deliberadamente passo mas sem pressa, passoa passo.
Passo os fusos horários e passeio entre o sonho e as palavras.
Também entre as obscenas por decreto.
Pois menor que meu sonho não posso ser.

VI

Atravesso compêndios, currículos, apostilas de silêncio e minha sombra
pisada por outra sombra também feita de tudo e nada
Atravesso simulacrose arranco o lacre da palavra
Pois menor que meu sonho não posso ser
Atravesso o avesso
E meu barco de travessias é a palavra terra cercada de água por todos os lados
Pois menor que meu sonhonão posso ser
Estou do lado de lá da ilha
Aqui disponho de mim e conheço meu próprio acesso
Aqui conheço a face inversa da luz onde me extravio e não cessarei jamais
Pois menor que meu sonho não posso ser.


Lindolf Bell

O CÓDIGO DAS ÁGUAS – 1984

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